sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Reflexões

Ponto de vista: Stephen Kanitz

Cuidado como que ouvem
"Achar que tudo o que ouvimos é verdadeiro é viver ingenuamente, com sérias conseqüênciaspara nossa vida profissional"

"Vigilância epistêmica" é a preocupação que todos nós devíamos ter com relação a tudo o que lemos, ouvimos e aprendemos de outros seres humanos, para não sermos enganados. Significa não acreditar em tudo o que é escrito e é dito por aí, inclusive em salas de aula. Achar que tudo o que ouvimos é verdadeiro, que nunca há uma segunda intenção do interlocutor, é viver ingenuamente, com sérias conseqüências para nossa vida profissional. Existe um livro famoso de Darrell Huff chamado Como Mentir com Estatísticas, que infelizmente é vendido todo dia, só que as editoras não divulgam para quem. Cabe a cada leitor tentar descobrir.
Vigilância epistêmica é uma expressão mais elegante do que aquela palavra que todos nós já conhecíamos por "desconfiômetro", que nossos pais nos ensinaram e infelizmente a maioria de nós esqueceu. Estudos mostram que crianças de até 3 anos são de fato ingênuas, acreditam em tudo o que vêem, mas a partir dos 4 anos percebem que não devem crer. Por isso, crianças nessa idade adoram mágicas, ilusões óticas, truques. Assim, elas aprenderão a ter vigilância epistêmica no futuro.
Lamentavelmente, muitos acabam se esquecendo disso na fase adulta e vivem confusos e enganados, porque não sabem mais o que é verdade ou mentira.
Nossa imprensa infelizmente não ajuda nesse sentido; ela também não sabe mais separar o joio do trigo. Hoje, o Google indexa tudo o que encontra pela frente na internet, mesmo que se trate de uma grande bobagem ou de uma grande mentira. Qualquer "opinião" é divulgada aos quatro cantos do mundo. O Google não coloca nos primeiros lugares os sites da Universidade de Oxford, Cambridge, Harvard ou da USP, supostamente instituições preocupadas com a verdade. In veritas é o lema de Harvard. O Google não usa sequer como critério de seleção a "qualificação" de quem escreve o texto no seu algoritmo de classificação. Ph.Ds., especialistas, o Prêmio Nobel que estudou a fundo o verbete pesquisado aparecem muitas vezes somente na oitava página classificada pelo Google. Avaliem o efeito disso sobre a nossa cultura e a nossa sociedade a longo prazo.
Todos nós precisamos estar atentos a dois aspectos com relação a tudo o que ouvimos e lemos:
• Se quem nos fala ou escreve conhece a fundo o assunto, é um especialista comprovado, pesquisou ele próprio o tema, sabe do que está falando ou é no fundo um idiota que ouviu falar e simplesmente está repassando o que leu e ouviu, sem acrescentar absolutamente nada.
• Se o autor está deliberadamente mentindo.
Aumentar a nossa vigilância epistêmica é uma necessidade cada vez mais premente num tempo que todos os gurus chamam de "Era da Informação".
Discordo profundamente desses gurus, estamos na realidade na "Era da Desinformação", de tanto lixo e "ruído" sem significado científico que nos são transmitidos diariamente por blogs, chats, podcasts e internet, sem a menor vigilância epistêmica de quem os coloca no ar. É mais uma conseqüência dessa visão neoliberal de que todos têm liberdade de expressar uma opinião, como se opiniões não precisassem de rigor científico e epistemológico antes de ser emitidas.
Infelizmente, nossas universidades não ensinam epistemologia, aquela parte da filosofia que nos propõe indagar o que é real, o que dá para ser mensurado ou não, e assim por diante.
Embora o ser humano nunca tenha tido tanto conhecimento como agora, estamos na "Era da Desinformação" porque perdemos nossa vigilância epistêmica. Ninguém nos ensina nem nos ajuda a separar o joio do trigo.
Foi por isso que as "elites" intelectuais da França, Itália e Inglaterra no século XIV criaram as várias universidades com catedráticos escolhidos criteriosamente, justamente para servir de filtros e proteger suas culturas de crendices, religiões oportunistas e espertos pregando mentiras.
Há 500 anos nós, professores titulares, livres-docentes e doutores, nos preocupamos com o método científico, a análise dos fatos usando critérios científicos, lógica, estatísticas de todos os tipos, antes de sair proclamando "verdades" ao grande público. Hoje, essa elite não é mais lida, prestigiada, escolhida, entrevistada nem ouvida em primeiro lugar. Pelo contrário, está lentamente desaparecendo, com sérias conseqüências.
Fonte:
Stephen Kanitz é administrador ( www.kanitz.com.br)
http://veja.abril.com.br/031007/ponto_de_vista.shtml Revista VEJA Ed.2028 – 03/10/2007 pg.20
-
-
-
Reflexões sobre o texto e o tema
-
Ainda sobre os debates em relação às concepções de evidência e argumentação, faço esta primeira intervenção no meu portfólio de aprendizagem para dialogar com um texto que recebi de um amigo tutor. O texto de Stephen Kanitz, chamado “cuidado com o que ouvem”, possibilita um excelente exercício crítico em relação aos primeiros conceitos abordados, e que serão fundamentais ao longo da construção desse blog.
No primeiro parágrafo do texto o autor chama a atenção para o cuidado com a informação que os indivíduos devem ter, ao que ele chama de “vigilância epistêmica”. Esta postura, segundo ele, deve ser tomada para não sermos “ingênuos” de achar que tudo o que os outros dizer é “verdade”, para não acharmos que “nunca há uma segunda intenção do interlocutor”, o que traria conseqüências para a “vida profissional”. Com exceção do conceito que o autor usa, coloquei os demais termos entre aspas com segundas intenções. Começo explicando as aspas em “verdade”, pois é um conceito freqüentemente revisitado em tempos de pós-modernidade, algo que levanta muita polêmica. O que é verdade ou verdadeiro? Não pretendo aqui aprofundar este debate filosófico, apenas pontuar a existência de uma profundidade de concepções neste termo, que também nos leva a pensar sobre “as segundas intenções do autor”, minhas e dele. Este último termo entre aspas também tem seu significado, ou seja, que todas as informações possuem uma intencionalidade subterrânea, que existe um “fundo” nas informações deliberadamente intencional que os “ingênuos” não conseguem captar. Se isto é verdade, qual seria a intencionalidade subterrânea do autor ao atribuir à inobservância desse “fundo intencional” sérias conseqüências ao mundo profissional, e não à própria vida do sujeito? Talvez essa “segunda intenção” do interlocutor seja o que chamamos de ideologia? Ou seria a visão de mundo?
A questão é que o autor insinua a existência fixa entre uma “verdade” e uma “mentira”, entre os que “vivem confusos e enganados” por não saberem o que é verdade ou mentira, o que nos leva a crer que existam outros, aqueles que “não se confundem e não se enganam”, pois sabem o que é a “verdade” ou o que é “mentira”. Essa extensão dedutiva do raciocínio feito pelo autor não é por acaso, ou, tem uma segunda intenção. Ela mostra que existe também uma divisão entre pessoas “iluminadas” e pessoas obscurecidas pelas “trevas da ignorância”, posição muito similar àquela assumida pelos Ilustrados do século XVIII, em oposição à Idade Média que representava a Idade das Trevas.
Em seu terceiro “infelizmente”, o autor critica a internet, mas especificamente o sitio de busca Google, pela indexação de todo tipo de informação, inclusive as “bobagens” e as “mentiras”. Surge aí um outro conceito difícil de caracterizar, o que é uma “bobagem”? Quando ele critica o sítio de busca por não colocar entre os primeiros endereços os relacionados às universidades com a “qualificação” de quem informa, vinculando-os aos títulos que possuem, podemos confirmar que sua valoração está diretamente ligada ao cientificismo e sua hierarquia acadêmica. Isto nos leva a uma questão fundamental: não existe “verdade”, “saber” e “valor” nas informações que não sejam científicas? As crenças são “bobagens”? Acreditar que o saber científico é o único saber válido não é uma crença dogmática?
Como minha intenção, ou, melhor dizendo, segunda intenção, é apenas provocar e não responder, vou passar para a questão que parece mais problemática do que as crendices de cada um. Ao tomar como “ruído”, “desinformação” e “lixo” as diversidades de opiniões “transmitidos diariamente por blogs, chats, podcasts e internet”, não estaríamos criando uma “oligarquia do saber”? Esta concepção não difere muito daquela pregada pela Igreja Católica da Idade Média, quando a única verdade era por ela enunciada. Pior que isso, a expressão “sem a menor vigilância epistêmica de quem os coloca no ar” é quase um apelo à censura, não por acaso que a Santa Inquisição e as agências de inteligência das mais diversas ditaduras foram extremamente eficientes em suas “vigilância epistêmica”. Quando o autor coloca que a liberdade de expressão é culpa “dessa visão neoliberal de que todos têm liberdade de expressar uma opinião, como se opiniões não precisassem de rigor científico e epistemológico antes de ser emitidas”, entrei em uma profunda dúvida existencial. Ocorreu-me que: meu conceito de neoliberalismo é errado, ou, que sou um neoliberal e não sabia, ou, que existe um rigor científico neste texto que eu não tenho a capacidade de ver, ou, que os religiosos de todo o mundo farão voto de silêncio, ou, que o saber científico é neutro, ou,...
O texto mostra tantas contradições que ele mesmo não passaria pela “vigilância epistêmica” que propõe. Quando diz que “Há 500 anos nós, professores titulares, livres-docentes e doutores, nos preocupamos com o método científico, a análise dos fatos usando critérios científicos, lógica, estatísticas de todos os tipos, antes de sair proclamando ‘verdades’ ao grande público.”, fica evidente ao menos sua falta de rigor histórico na afirmação, pois mesmo descartando todos os métodos de conhecimento existentes desde a antiguidade e considerando o método científico moderno iniciado com Descartes, em meados do século XVII, não há vigilância alguma em dizer quinhentos anos. Ou seja, que preocupação com o método científico é esse antes de “sair proclamando ‘verdades’ ao grande público” em uma revista de grande circulação?
Vamos entender alguns significados de seu próprio texto visto à luz de sua opinião, pois, sem querer tirar qualquer mérito do autor, não pude deixar de fazer uma, porque não dizer, sarcástica observação. Vou reproduzir as partes que me chamaram a atenção: “Todos nós precisamos estar atentos a dois aspectos com relação a tudo o que ouvimos e lemos” “Se quem nos fala ou escreve conhece a fundo o assunto, é um especialista comprovado, pesquisou ele próprio o tema, sabe do que está falando ou é no fundo um idiota que ouviu falar e simplesmente está repassando o que leu e ouviu, sem acrescentar absolutamente nada” "Aumentar a nossa vigilância epistêmica é uma necessidade cada vez mais premente num tempo que todos os gurus(pesquisadores e especialistas em comunicação, ciências humanas e outras tantas áreas afins) chamam de "Era da Informação” ”Discordo profundamente desses gurus(quem discorda é um especialista?), estamos na realidade na "Era da Desinformação" “Stephen Kanitz é administrador” “Revista VEJA”(uma revista científica? Uma universidade?). Os grifos e comentários entre parênteses foram feitos por mim. A ironia é pior ainda se colocamos junto dessas passagens outras como:”Qualquer ‘opinião’ é divulgada aos quatro cantos do mundo” ou “O Google(e a Veja) não usa sequer como critério de seleção a ‘qualificação’ de quem escreve o texto no seu algoritmo de classificação. Ph.Ds., especialistas, o Prêmio Nobel que estudou a fundo o verbete pesquisado(não podemos nos esquecer dos administradores!) ...”.
Com essa brincadeira, de mal-gosto, reconheço, quis apenas mostrar que se não houver uma relativização sobre o que é dito e de quem disse, a grande maioria das opiniões e pontos de vista ficam “proibidas” de serem divulgadas e creditadas, se não com censuras, conforme sugere o texto, ao menos no sentido do descrédito, como eu mesmo fiz com o texto escrito por Stephen Kanitz.
Para finalizar, quero dizer que minhas segundas intenções foram mostrar que para que uma informação tenha valor não basta que ela seja científica. Acredito que o artigo de Stephen Kanitz possui diversas informações úteis para se refletir sobre o mundo, mesmo que não as considere “verdadeiras” ou “falsas”. Em minha opinião a posição expressa pelo autor só leva a criar uma casta de pessoas que possuem o “poder da verdade” e não a “verdade”. As “verdades” fazem parte da vida de cada sujeito, sua compreensão sobre o mundo, seu interesses, suas inserções na sociedade e etc., que são compartilhadas a cada diálogo, a cada texto e a cada prática. Portanto, não podemos dizer com propriedade quais as “verdades” melhores para as outras pessoas, acreditamos e compartilhamos nossa crença e isso nos basta. Como eu poderia dizer a um religioso que sua fé é uma mentira? E se alguém achasse que esta minha opinião neste blog fosse uma “bobagem”, e a impedisse de ser publicada? O que aconteceria se a verdade tivesse dono? Não seria ingenuidade achar que não existem segundas intenções nas ciências? Não seria ingenuidade achar que minha opinião não possui segundas intenções? Claro que existe, minha segunda intenção é combater essa idéia elitista e reacionária veiculada pela Veja, uma revista manipuladora, parcial, de uma direita conservadora da qual eu sinto nojo, embora ache que ela possua todo o direito de dizer suas “bobagens”. Até as publico em meu espaço como forma de democratizar a informação (risos no fundo da sala). Mas fica a pergunta: qual a terceira intenção por trás dessa segunda intenção?
-
Renato Avellar de Albuquerque é qualquer um que posta lixos em blogs, sem qualquer rigor científico. (talvez seja um neoliberal desavisado!!).

Nenhum comentário: